Conto: “Eu Quero Você” – Parte I


Neste conto vamos explorar a história de Joel e Milton que eram de mundos totalmente diferentes: Joel, 50 anos, advogado e com a vida financeira estabilizada, não teve filhos e depois de dois casamentos fracassados, começou a pensar em viver novas aventuras. Milton 42 anos, garçom em dois restaurantes, casado, uma filha de 6 anos, ainda passava alguns perrengues para fechar as contas do mês, mas tinha um casamento muito feliz a vinte anos. Todos os dias, os problemas eram sempre enfrentados com um sorriso no rosto.


Deu-se o acaso, em um dia chuvoso, de Joel entrar no restaurante em que Milton era garçom e Joel se sentiu feliz, pois Milton era fisicamente o desejo de Joel: com um rosto bonito e alegre, boca perfeita, “meio” acima do peso e forte. Uma pegada mais para o lado italiano, mas com a fofura que Joel sempre sonhava. Contudo a primeira coisa que Joel notou foi a aliança na mão esquerda de Milton, o que precocemente o fez repensar seus desejos. Enquanto Joel era mais maduro, tímido e, sempre carregando o peso de ser gordo, desde criança ele não conseguia emagrecer, mas isso nunca foi um problema para ele viver bem e ser feliz.

A aproximação entre Joel e Milton começou de forma sutil, quase imperceptível, como um fio de seda que se tece lentamente entre dois mundos que nunca deveriam se cruzar. Joel, acostumado à rigidez do direito e à frieza de seus casamentos fracassados, sentiu-se imediatamente atraído pela alegria que emanava de Milton. Era algo que ele não encontrava em sua vida há muito tempo. Milton, por sua vez, notou o olhar mais demorado de Joel, a forma como ele sorria discretamente ao ser atendido, mas manteve a postura profissional, sempre cordial e gentil.

Não demorou para as trocas de olhares se transformarem em conversas breves. Joel, com seu jeito tímido e cauteloso, começou a frequentar o restaurante regularmente e um involuntário ritual se estabelecia. Ele gostava de pedir o café especial e, enquanto esperava, deixava que suas mãos se encontrassem com a de Milton ao receber a xícara. Era um toque sutil, um convite sem palavras. Milton, percebendo a tensão de Joel, sentiu a necessidade de se proteger: a aliança em sua mão era um lembrete constante do seu compromisso. Mas a alegria que havia em seus olhos ao receber Joel era inegável. Ele, também, se sentia atraído, mas sabia que os limites eram necessários. A vida era complicada o suficiente.

A iniciativa partiu de Joel, embora ele tentasse se convencer do contrário. Certo dia, ao pagar a conta, ele deixou cair discretamente um bilhete com seu número de telefone e a mensagem: “Se algum dia quiser conversar, estou aqui.” Milton achou o gesto inusitado, mas não pôde negar que se sentiu lisonjeado. Joel era um homem interessante, maduro, e havia algo em sua seriedade que contrastava com a leveza que Milton carregava. Ele guardou o bilhete, hesitante, mas não o descartou. As primeiras mensagens foram tímidas, quase formais. Joel perguntava sobre o restaurante, o clima, coisas banais. Milton respondia com bom humor, sempre mantendo uma distância respeitosa. Aos poucos, porém, a conversa foi se aprofundando. Joel começou a compartilhar fragmentos de sua vida, suas decepções, seus medos. Milton, por sua vez, falava sobre sua filha, seu casamento feliz, mas também sobre os desafios de conciliar dois empregos e as dificuldades financeiras. Havia uma cumplicidade crescente entre eles, uma conexão que nenhum dos dois esperava.

Joel, no entanto, sempre se conteve. A aliança no dedo de Milton era um lembrete constante de que ele não poderia ultrapassar certos limites. Ele respeitava o casamento de Milton, admirava até mesmo a felicidade que ele descrevia e Joel não queria ser o motivo de qualquer ruptura naquela família. Mesmo quando as mensagens ficavam mais quentes, quando os elogios se tornavam mais ousados, Joel se segurava. Ele sabia que o desejo que sentia por Milton era intenso, mas também sabia que algumas fronteiras não deveriam ser cruzadas. Um dia, em meio a risadas sobre um cometimento de erro culinário, Joel teve coragem. “Você tem um sorriso contagiante, sabia?” Naquele momento, Milton percebeu que a amizade estava se transformando em algo mais profundo. O coração dele pulsou forte, e a atratividade crescente na troca de mensagens ao longo de semanas era um sinal de que ambos estavam prontos para uma aventura, ou uma armadilha.

Quando Joel recebeu uma proposta de trabalho e mudar para Lisboa, Portugal, viu aquilo como uma oportunidade de se afastar, de colocar uma distância física entre ele e Milton. Ele contou a Milton sobre os detalhes da proposta, salário e benefícios, e os dois concordaram que seria um momento de realmente apostar e Joel ter a independência financeira que sempre quis. E este período eles tirariam para refletir o que estava acontecendo com suas vidas desde que se conheceram. Durante os meses em Lisboa, Joel mergulhou no trabalho como uma distração. As mensagens entre eles diminuíram, mas nunca cessaram completamente. Milton, por sua vez, sentiu a ausência de Joel de uma forma que não esperava. Ele começou a questionar coisas que nunca havia questionado antes, mas sempre se agarrava ao amor que sentia por sua esposa e filha.

Portugal estava sendo uma experiência esplêndida, mas cada pôr do sol trazia o desejo de compartilhar o momento com alguém que não estava lá. As mensagens entre eles tornaram-se frequentes e calorosas, cheias de anseio e promessas implícitas: “Espero que um dia você me mostre esses lugares incríveis”, Milton escreveu certa noite. Joel sentiu o frio na barriga, mas optou por não ultrapassar aqueles limites: “Quem sabe um dia, quando voltar”, respondeu, articulando sua contenção.

Oito meses após sua partida, Joel decidiu voltar. A consciência de que havia algo especial com Milton o acompanhou durante toda a viagem e ele contava os minutos para reencontrá-lo, mesmo com o receio da realidade: o que aconteceria com a aliança de Milton? 

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